uma história sobre (i)mortalidade

São tantas as teorias sobre a criação do universo, que eu às tantas nem sei a quem devo agradecer. Mas dou por mim a fazê-lo umas quantas vezes. O mundo é um lugar estranho e muitas vezes cruel, mas o mundo é também bonito, perfeito, inspirador. E não é preciso olhar com muita atenção ou viajar para locais exóticos. Na verdade, podem viajar apenas para a sala de cinema mais próxima e assistir a Bohemian Rhapsody.

Freddie Mercury não era perfeito, mas trazia a perfeição dentro dele. Quanta vida cabe num ser humano? Quanta ousadia e coragem precisa um homem para não ser outra coisa que não autêntico e genuíno? Serão as as angústias dos génios proporcionais ao seu talento? Ou infinitamente maiores? Quão magnífico é este poder (e responsabilidade) que temos de podermos ser quem quisermos, de nos podermos construir e destruir, ser o melhor e o pior, apenas com as nossas ideias e (boas ou más) decisões? Quão mágico e assustador é saber que uma parte do que somos será produto das pessoas com quem mais convivemos? Todas estas perguntas cabem nesta bonita homenagem ao Freddie, neste incrível hino aos Queen.

Aqueles quatro eram a fórmula perfeita. A irreverência máxima. Aqueles quatro simbolizam a liberdade, a coragem, a beleza da criação. Aqueles quatro são a verdadeira definição de arte. E que sortuda que eu me sinto por todas as vezes que a música deles me inspirou, na rádio ou num CD que nunca envelhece, ao vivo no meio de uma multidão, e, agora, num filme brilhante, com espaço para todas as emoções e para muita e boa música.
Um filme que, de uma forma tão subtil, coloca a nu o quão mortais somos nós, humanos, génios incluídos, e, na outra face, quanta imortalidade cabe nas nossas ações e na pegada que elas definem nesta casa que habitamos.

Obrigada Queen. Obrigada Brian May, Freddie Mercury, John Deacon e Roger Taylor. I want you to live forever.
Obrigada a todos os que fazem arte. O mundo fica muito mais bonito sempre que vocês se expressam, em qualquer uma das sete ou sete mil formas que inventam para o fazer. Não vos desejo menos que a imortalidade.

a minha amiga Teresa

A Bia foi embora há três semanas, e foram precisas três semanas para que eu conseguisse escrever sobre ela. Dito assim, até parece que a Bia é uma pessoa complicada. Mas, surpreendam-se, ela está exatamente no polo oposto. A Bia é simples, e é simples fazê-la feliz. A vida é que gosta de ser complicada, mesmo para pessoas simples assim. Por exemplo, a vida teima em fazer-nos trabalhar para ter sustento. A Bia, se pudesse, sustentava-se com ócio e boas sestas. Não sendo possível, ela não só trabalha, como dá um brilharete em tudo onde marca presença – quem sabe assim a vida pense duas vezes antes de quebrar utopias.

Com a Bia podes ter qualquer tipo de conversa – desde o mais recente mexerico até ao flagelo mundial que mais te preocupa. Ela vai ouvir-te, com uma empatia genuína e sem grandes preconceitos, vai mostrar-te outras perspetivas com uma gentileza que te desarma, e é capaz de ainda ter uma boa história para contar sobre o tema. Ver a Bia a discutir a sério com alguém é, na verdade, mais raro que um eclipse lunar. Posso adiantar-te, por isso, que se algum dia tu e a Bia discutirem, é altamente provável que ela tenha razão – mais vale poupares energias.

A Bia compreende o meu humor. Do mais rasca ao mais elaborado, transitando de forma exemplar de um elevado nível de inteligência e atenção para a banalidade do ridículo, da parvoíce de trazer por casa. E se o humor for negro, aí então é que ela sorri. Desenganem-se se pensam que há ponta de maldade nisso – é só a Bia a ser feliz, no seu jeito descontraído, com as coisas boas e simples da vida.

A Bia faz-me falta. Se vocês têm uma Bia assim na vossa vida – se não têm recomendo seriamente que encontrem uma – vão perceber do que falo. O problema é que eu não posso ficar zangada com a vida, porque a Bia foi ser (mais) feliz. A Bia foi ter com o mar, com o verde mais verde do mundo, e com o amor na sua forma mais autêntica: a família. A Bia foi para onde sempre sentiu ser a sua casa, e é uma casa linda, há que dizer. Nestas condições, não dá margem para barafustar. É muito bonito isto de dizerem que o mundo não tem fronteiras, mas eu não posso ir visistá-la a pé. Já para não falar que o teletransporte devia ter sido inventado muito antes dos drones. Estas pessoas não conhecem o conceito de prioridades. Talvez um dia a Bia lhes conte uma história. Mas sem pressa Bia, sem prazos. Prazos são sinónimo de procrastinação, e procrastinação causa um certo nível de ansiedade. E ansiedade não rima com simplicidade, por isso não é coisa que se ofereça à Bia. No entanto, na falta de outras ideias para o Natal, embrulhem e tentem a sorte – na pior das hipóteses, a Bia do Futuro resolve.

olá, outono

Ele chegou.
Em tons de amarelo e castanho, e em todos os outros que no meio deles cabem. As folhas dançam, em espiral, sob o comando do vento. Quando ele acalma, elas descansam num tapete gigante que cobre o chão. Podia deitar-me nesse tapete o resto do dia, ouvi-las a ceder, estaladiças, ao peso de um corpo relaxado e feliz. O sol continua quente, para não me deixar sentir saudades do verão. Mal tu sabes, Outono, que é contigo que eu suspiro.

2018 tem sido um ano especialmente intenso para pessoas a quem eu quero muito e, consequentemente, para mim. Quando digo intenso, falo do melhor e do pior. Momentos inesquecíveis, que marcam uma vida, e, na mesma leva, surpresas tão amargas, tão injustas, tão difíceis de digerir. Hoje, dei por mim a traduzir em palavras uma das mais bonitas metáforas que descobri no Outono: consigamos nós ter a mestria de perceber e preservar o que realmente importa, e a coragem de deixar partir as folhas caducas, as surpresas amargas, as pessoas que já não querem ficar ou que já não queremos por perto, as memórias que nos amarram e não deixam espaço para que outras possam surgir. Hoje, se pudesse, eu dava um Outono a cada uma dessas pessoas a quem quero tanto. Ou, porque não, um Outono a todo o mundo. Uma oportunidade para recomeçar, para recriar e para nos recriarmos, para reconstruir, para nos reinventarmos com as novas folhas que hão-de nascer e com a certeza que, por mais duro que seja o inverno, haverá sempre uma nova primavera à espreita.

A SUAVE ATRAÇÃO DA PROCRASTINAÇÃO (note-se que a rima foi totalmente espontânea, isenta de qualquer esforço, tal como o tema obriga)

Como é que algo que sabe tão bem (qualquer coisa entre chocolate com avelãs ou café acabadinho de tirar) nasceu com um nome tão complicado? Deve ser de propósito. Só pode ser de propósito.

Procrastinar podia ser uma arte. Assim só estaria ao alcance de alguns praticá-la, e nós, os restantes mortais, estaríamos a salvo dos seus encantos desde que não frequentássemos museus ou a Rua de Miguel Bombarda. Mas não, a procrastinação tinha que nascer mais acessível que as ervas daninhas. Ali, pronta a usar, a sussurrar o nosso nome no mesmo tom que o sofá lá de casa no final de um dia extenuante.

Sabem o que é mais invejável na procrastinação? É que está sempre em férias. Um dos possíveis retratos da procrastinação seria um braço flácido (porque a procrastinação não faz exercício, procrastinar é, já em si, O exercício) com dois bilhetes (pensão-mais-que-completa-totalmente-free-of-charge) na mão, para um qualquer lugar – onde o sol brilha com a intensidade certa naquele momento – e, ao fundo, uma rajada de vento que se avizinha com o único propósito de fazer voar um desses bilhetes diretamente para a nossa testa, para que não tenhamos que ser nós a dar o primeiro passo naquela relação. Mais que isso, exige-nos todo um jogo de cintura caso tenhamos a disciplinada ideia de recusar o convite.

Procrastinação não cansa, já nasceu cansada.
Procastinar não suja e, mesmo que sujasse, de certo poderia ir à maquina para lavar – procrastinar não combina com tecidos delicados que obrigam a lavar à mão.
Não custa dinheiro.
Não está dependente de condições meteorológicas. Mais grave: é igualmente apetecível quando chovem cântaros lá fora ou quando o sol não faz gazetas.

Em suma, procrastinação tem tudo para ser uma relação de longa duração. Bodas de ouro, assim, fácil.

Passei as duas últimas horas com ela. A tentar usufruir em pleno da sua companhia. Começou bem, mas o mesmo não posso dizer da forma como acabou: quão má sou eu a procrastinar quando acabo a escrever sobre isso?

chocolate e boas histórias

Do capítulo ‘coisas que mais gosto’: chocolate, e uma boa história.

É sobre isso que escrevo hoje: boas histórias. Não tenho por hábito queixar-me da minha criatividade. Ela vai aparecendo, de quando a quando, e eu faço por tratá-la bem. Gosto da companhia dela. Gosto do facto de não ter que pagar por ela. Mas, mais do que tudo, gosto da sensação de poder transformá-la nos sorrisos, nas lágrimas ou nos suspiros e caretas das pessoas que nos lêem.

E depois há aqueles momentos. Aqueles momentos em que sou eu e ela que vestimos as emoções. Aqueles momentos em que lemos uma boa história e nos sentimos pequeninas. Mas um pequenino bom, um pequenino com o sabor doce de quem ouve uma boa história antes de adormecer. Um pequenino com a cadência e previsibilidade de quem pede sempre a mesma história noites a fio. E todas as noites adormece feliz.

É por isso que, sempre que ouço uma boa história, o meu corpo rende-se e aplaude cada detalhe, reviravolta, clichê ou déjà vu que a boa história possa ter. Porque as histórias reais são assim mesmo: ricas em detalhes camaleonicamente subtis, em clichês que podiam ter sido escritos por dois adolescentes apaixonados, feitas de reviravoltas inesperadas, de armadilhas em forma de déjà vu que nos relembram que, noves fora, não somos muito diferentes quando o assunto se trata de ser (in)feliz. A vida real é sobre a amizade e as gargalhadas. Sobre o medo e a solidão. É sobre a morte – não tanto a nossa, sim tanto a dos que amamos. Sobre a família, essa velha conhecida que nasce com o super-poder de ser caos e devastação e ao mesmo tempo escudo e serenidade. Sobre os dias que se repetem e as noites mal dormidas. Sobre a resiliência. Sobre os dramas mais banais e nem por isso menos dramáticos. Sobre vícios e limites. Sobre o sonho, a utopia, ou esta predisposição humana de correr atrás da perfeição. Do companheiro perfeito. Do casamento perfeito, o trabalho perfeito. De ser a mãe ou o pai perfeito. É sobre o amor. Sobre aquele amor maior que fica sempre ali, teimoso e persistente, sentado, a comer tremoços com barbas de algodão-doce, enquanto assiste, tranquilo, ao desfile das nossas muitas imperfeições, com a certeza que nenhuma o fará desistir daquele lugar.

This Is Us é tudo isto. É uma boa história. Melhor do que isso, é uma boa história que podia ser real. Somos nós e as nossas vidas banais. E que bonitas que elas são. Que confortante é perceber que ficam ainda mais bonitas, mais especiais, quanto as vemos assim, na bancada. Ou no sofá, enrolados na manta que ainda sobrevive porque a PrimaVera este ano é toda ela timidez. Aqueles somos nós. Já se deram conta? Alguém nos raptou pela calada e nos transportou para aquela história bonita e surpreendentemente real. Alguém – tão genial como a criatividade que lhe saiu na rifa – pegou em nós e criou uma boa história, e eu voltei a ser emoções, voltei a ser sorrisos e lágrimas, e suspiros e caretas. Episódio atrás de episódio. Duas temporadas corridas, mal posso esperar para ouvir as próximas boas histórias que esse alguém escreveu sobre as nossas vidas banais.

Até lá, que nunca me falte o chocolate, e a vida segue feliz.

reuniões de condomínio

Há palavras que nasceram condenadas ao desdém. À aversão. À repulsa. Ao quase-ódio. Dou-vos um exemplo: despertador. Não há como amar esta palavra. No melhor cenário, ela mora na rua da indiferença, para aquelas alminhas que acordam, espontaneamente, quase tão cedo como a hora a que eu me deito. E bem-dispostas, como se não bastasse. Mesmo a roçar o feito super-heróico.

Bróculos, outro exemplo. Não há como gostar de bróculos, e quem diz que gosta não seria capaz de o fazer sob juramento em tribunal. É só mais uma forma de boa-ação-do-dia, isso de gostar de bróculos. E como são verdes, ganha-se pontos extra (nem que seja em tempo de compensação). Se ainda assim forem biológicos, fica-se com a semana arrumada no setor das boas ações, que garante imediatamente um chapéu de sol e uma espreguiçadeira no reino dos céus.

Ralos. Piaçabas. Feriados-ao-fim-de-semana. Segundas-feiras. Reuniões-de-condomínio. E fiquemo-nos por aqui, porque aqui nasce o meu apelo. Pobres palavras condenadas ao desamor fruto do contexto onde se geraram. Sugiro uma abordagem diferente: reposicionemo-las no tabuleiro de jogo de anca que é o nosso dia-a-dia. Terminou, há pouco, mais uma reunião de condomínio no meu prédio. Éramos 4 e um cão, com um total de adesão de 100% dos inquilinos, como manda a tradição do 381. Discutimos a atualidade. Criticámos coisas. Soluções? Muito poucas. Divagámos. Viajámos para o passado-ai-que-antes-é-que-era-bom (já não se faz música assim) e, minutos depois, para o futuro-que-vai-ser-de-nós (carros em Marte e foguetões que sobrevivem mais que algumas músicas candidatas ao Festival da Canção). Enfim, fomos felizes, nestas 4 horas de serão, cumprindo todos os requisitos a que uma reunião de condomínio obriga. Alguém, no seu perfeito juízo, batizaria estes encontros como “meros jantares de amigos”. Mas de água benta eles têm muito pouco. Quanto muito aquela pós-milagre, transformada em vinho tinto. Assim, “reuniões de condomínio” pareceu-me bem mais original.

Ter “reuniões de condomínio” com os melhores vizinhos que nos podiam sair na rifa tem tudo para correr bem. Resolve-se logo um conjunto de questões da ordem de trabalhos: resolvem-se os problemas do mundo com boas intenções; resolve-se a saudade que vai tomando proporções desumanas na ressaca entre reuniões; resolve-se um dia, ou uma semana, que nasceu torto/a com gargalhadas tão apuradas como o jantar cozinhado com carinho q.b. E resolve-se este karma do conceito – e respetivo preconceito que, em flagrante parasitanço, partilha a casa, comida e roupa suja – das reuniões de condomínio.

Sejamos mais fortes. Mudemos a perspetiva. Adotemos um cão a quem vamos chamar “segunda-feira”. Anda aqui, Segunda-feira. Senta. Dá a pata. Ou um cágado a quem vamos chamar Piaçaba. Inventemos uma sobremesa chamada cutão. Uma lotaria especial “bolor”, para celebrar os seus não-sei-quantos-anos-de-existência. Nem todas as palavras podem nascer com a benção de um domingo de manhã. Com o conforto de uma manta felpuda e um par de pantufas. Com a classe de um brunch ou a atração de uma almofada. Mas nós podemos fazer a nossa parte, oferecendo-lhes uma vida plena de circunstâncias diferentes. Para mim, as reuniões de condomínio estão salvas do mau-olhado para a eternidade e mais além. E tu, já salvaste uma “palavra” hoje?

terras de ninguém

Enquanto a empregada dança entre as mesas esfomeadas, fecha-se um negócio importante para a empresa que se mudou recentemente para aquela rua. O barulho de fundo na sala permite manter o sigilo nesta que foi a reunião mais importante do mês, testemunhada por dois cappuccinos, um café, uma meia torrada e um croissant misto.

Lá fora, no banco do jardim mais próximo, há um rapaz que engole em seco enquanto procura as palavras certas para dizer à namorada que o amor por ela, como o viveu, já não o reconhece mais.

O mundo equilibra-se ao seu jeito e, à mesma hora, na praia, há um casal de namorados que troca beijos inocentes atrás das rochas, porque ainda é cedo para contar aos pais.

São as terras de ninguém dos nossos dias. Cafés, bancos de jardim, areais extensos emprestados pelo mar. Lugares neutros em emoções, histórias e vivências. Áreas livres de julgamento. Lembro-me tão bem de quais foram as minhas, até então. E amanhã, quem sabe, nascerá uma mais.

Curiosas, estas terras de ninguém. Tão discretas e tão secretas, são perfeitas neste papel de se manterem iguais a si mesmas, dias a fio, de forma a que quem passa não desconfie sequer que algo de importante, para um outro alguém, passou um dia por ali.

De repente, aquele café, aquela mesa onde me sento há anos, faz-me pensar de quem será ele/ela terra de ninguém? Quantos apertos de mão já terá testemunhado? Quantos negócios já terá selado? Quantos carrosséis de emoções já terá alimentado?

E o mesmo acontecerá no caso daquele outro café, que nunca me atraiu e onde nunca entrei. Ou no banco de jardim onde nunca me sentei. Ou em tantos outros pedaços de chão neutro que nunca sequer reparei. Quem sabe não são eles as vossas terras de ninguém.

o coração tem lugares estranhos

O coração tem lugares estranhos. E por estranhos não entendam maus. Estranhos. Aquela estranheza de algo que não sabemos definir. Ensinaram-me na escola que o coração tinha duas aurículas e dois ventrículos. Mas ninguém me ensinou que além deles existiam ainda estes lugares: estranhos.

2018 tinha acabado de se estrear no mundo. Pintado de fresco. E depois de me ter dado música para os primeiros passos de dança do ano, deu-me um reencontro. Ofereceu-me a alegria de rever alguém que trazia na memória com muito carinho, e no coração nesse lugar estranho que não consigo definir.

Temos uma mão cheia de anos de diferença e duas mãos cheias de anos sem nos cruzarmos. E com o mesmo acaso que os nossos caminhos se encontraram por uma semana em dois anos consecutivos no passado, quis 2018 juntar-nos na mesma cidade e na mesma pista de dança.

Ontem vingámos 10 anos de ausência da melhor forma: sentados à mesa da saudade, a fazer companhia a um bom vinho. As conversas atropelaram-se, as palavras eram tantas e tão escasso o tempo. Experimentem recuperar 10 anos num jantar de 4 horas. Já vi exames de matemática mais fáceis. Foi tanta a vontade de correr atrás do tempo que passou que nem tive tempo para cair em mim e sentir como me estava a fazer bem aquele reencontro. Como estava agradecida a 2018 por esta surpresa. Como o mesmo carinho que tenho por este “miúdo” se mantinha cá, tão vivo e tão sincero, como na semana em que o conheci. Um carinho que vive nesse lugar estranho do coração que eu não sei definir. Não o chamaria de amigo, embora lhe desse a minha amizade sem pensar duas vezes. Não é família, embora lhe queira bem como a um irmão. É um lugar estranhamente bom, estranhamente estranho, ao qual eu vou querer voltar.

A chuva decidiu continuar o que 2018 começou.
Que venha por isso a próxima garrafa de vinho, com a avalanche de palavras que ainda ficaram por dizer. E com espaço para eu poder sentir como sou feliz nestes acasos e nestes lugares estranhos do coração.

Para ti, Alexandre, só uma última adenda: o guarda-chuva é parolo, mas é meu. Por isso trata de pensar em o devolveres.

Para vocês, pessoas, um desabafo: se não se puderem oferecer mais nada este ano, ofereçam-se a alegria de um reencontro com o(s) lugare(s) estranhos do vosso coração.

Carta à Leonor

Minha pequena Leonor,
Enquanto o mundo já se pergunta quando é que te vai poder abraçar, a tua mãe está tranquila e radiante por cada dia mais que lhe dás neste estado de graça. Este era um dos seus grandes sonhos: estar grávida, ser mãe. E eu sempre soube, e mantenho essa certeza, que ela ia ser uma mãe incrível. Soube-o dias a fio, durante os vários anos em que tive a sorte de viver esta amizade que nos une no conforto da mesma casa, do melhor sofá do mundo. Ela cuidou de mim com o mesmo amor que se cuida de quem precisa que lhe mudem a fralda. Eu já não estava nessa fase, mas os jovens adultos conseguem igualmente ter os seus desafios. E eu cuidei dela também, à minha maneira despassarada, desajeitada, improvisada.

Não me lembro de ver a tua mãe triste muitas vezes. E sei porquê: ela é A Alegria. O hino foi feito a pensar nela, podes acreditar. No seu estado mais espontâneo, a tua mãe pega no mais banal que a rodeia e transforma em brincadeira, em parvoíce, ou em música. E depois disso recorda uma memória boa, porque ela é uma pessoa de memórias. Ela guarda o amor, o carinho, as pessoas, no coração e nas caixas de cartão. E fala delas com o mesmo brilho nos olhos com que desafia o presente. A tua mãe é uma pessoa feliz. Genuinamente feliz. É uma pessoa de emoções. E por isso chora muito também. Algumas vezes de alegria ou comoção. Mas também chora pelas tristezas e desafios que a vida nos deixa nas mãos quando nos puxa o tapete. Mas a tua mãe é uma mulher de força. E depois das lágrimas ela volta ao campo de batalha, e vai à loja de decoração mais próxima e compra um tapete novo e fofinho. Porque a vida, como a nossa casa, é para ser bonita.

Também não esperes da tua mãe timidez. Quando andares a passear com ela na rua, faz com que leve fraldas e mantimentos em número suficiente para tantas paragens como as do metro que vai para o aeroporto. É que ela conhece meio mundo, e o outro meio conhece-a a ela. É uma coisa que normalmente acontece às pessoas felizes que não conseguem estar caladas. Essa é outra qualidade da tua mãe. Nunca vais precisar de um quebra-gelo. No teu primeiro dia de escola, leva-a contigo e põe um bloco de notas na mochila. No final do dia, terás pelo menos duas páginas de relatório sobre cada um dos teus futuros amigos, com detalhes tão bons como a consistência do seu cocó nos últimos meses ou um cronograma das datas em que lhes nasceram os dentes. Sim, porque a tua mãe é também uma pessoa de pormenores. E a vida fica tão mais bonita com (quase todos) eles.

Estou neste momento a caminho do Porto, a cidade que as duas escolhemos para viver, sob a força de uma tempestade com o nome dela: Ana. Se um dia precisasse de falar das duas a alguém, sobre a tua mãe eu diria: “a minha Ana”. Mas a força que vive na “minha Ana” é tão grande como a da tempestade. E está a torná-la numa mulher maravilhosa. Não te preocupes, eu tive 9 meses para me habituar à ideia que vou ter que a partilhar com mais uma pessoa. Primeiro com o teu pai, agora contigo. E não estou triste nem preocupada. Estou, na verdade, irremediavelmente feliz e aliviada: possa eu, numa vida inteira, dar-lhe um décimo da felicidade que ela sente só por estar ao vosso lado. Bem-vinda à equipa Leonor. Eu quase ainda não consigo acreditar que tu vens mesmo aí, que tu és tão real. Mas tenho a certeza que, juntas, vamos fazer da tua mãe uma pessoa ainda mais feliz.

então é natal


Os meus presentes, de ano para ano, estão cada vez menos ao redor da árvore de Natal. Os meus presentes estão assim: ao meu lado, no meu colo, no meu coração, no meu dia-a-dia de trabalho e nos momentos de dolce far niente, nos meus fins-de-semana em família ou nas gargalhadas entre amigos.

Os meus presentes acompanham-me o ano todo, fazem-me sentir amada e eternamente grata. Os meus presentes têm nomes de pessoas, têm a dimensão de um grande amor e do melhor namorado do mundo, e a partir deste Natal têm focinho também.

Que bom que foi 2016.
Obrigada a todos os meus Pais Natais. São vocês a razão deste meu sorriso de criança.

Que a vida vos brinde com estes pequenos grandes presentes também,
que 2017 vos estrague com mimos!

Boas festas amigos.