365 razões para (não) fazer um 365

O mundo é povoado por loucos. Eu incluída. Cada louco com a sua loucura, cada tolo com a sua mania – ou qualquer outra expressão que possa encaixar aqui – o mundo lá vai sobrevivendo, louco, também ele, por não se cansar de andar às voltinhas. Acontece, por vezes, que pessoas loucas com gostos semelhantes tenham ideias ainda mais loucas, contagiando outras que não ambicionavam níveis mais elevados de loucura. Sim, isto vai ficar pessoal. A tragédia aconteceu no dia 1 de Janeiro de 2017 quando um grupo de amigos loucos – entre outras coisas, por fotografia – me aliciaram a fazer um 365. O conceito, inventado por um louco com muito tempo livre, era simples: tirar uma fotografia diferente por dia. Eu, que gosto de um bom desafio, agarrei-me aos meus escassos níveis de sensatez com todas as forças, e respondi “sim sim, que ótima ideia, não contem comigo”. Segue-se um bombardeamento de bons motivos de que eu me estaria a privar ao negar-me a esta ideia incrível. 29 anos de auto-conhecimento mantiveram-me firme na certeza que aquilo não era para mim: “Malta, isso é um compromisso muito grande. E eu sei que não vou conseguir cumprir, por isso não quero começar algo para depois ficar a meio. Têm todo o meu apoio, mas fico na bancada.” Só que não. Uns dias depois, uma amiga com ainda menos tempo livre que eu, liga-me com aquele argumento irrefutável “anda lá, se eu consigo, tu consegues.” Lá se foram 29 anos de auto-conhecimento ao ar num telefonema só.

Imaginem o que é começar o ano já com uma coisa para fazer por dia. É o que parece: péssima ideia. Mesmo que essa coisa seja algo que até gostam de fazer. Definitivamente, o sentido de obrigação estraga o clima. E depois, sei lá, a vida acontece. O mais normal é que haja um dia, ou vários, em que simplesmente não vai dar. Ou simplesmente não me apetece. Mas vá, se fosse fácil não era um desafio.

Melhor que isso, é que a imaginação dos loucos não pára, e a experiência foi ganhando toda uma outra complexidade. E regras. Ora vejam: tirar uma foto por dia – certo – e em cada semana, uma das fotos tem que responder a um desafio previamente definido por outro louco qualquer (disponível on-line aqui). Só assim já dá para ficar cansado. E que tal se, em cada um dos meses, uma das fotos tivesse que ser em “dose dupla”, mostrando uma perspectiva diferente? Fácil. Agora respirem, não se pode repetir o mesmo sujeito nas fotos mais do que 10 vezes. 10 vezes em 365 dias dá muita diluição. Mas não desanimem: nos dias em que não nos sentirmos inspirados, podemos ir buscar fotos ao “baú”. 10 no máximo, para o ano todo. Claro que eu usei as 10. E claro que não chegaram para os dias em que, por alguma razão, não deu. De resto, cumpri quase todas as regras. Na verdade, acho que falhei apenas a mais importante – tirar uma foto por dia. Detalhes. Aqui me confesso, por isso, admitindo que, em alguns dias, tirei mais do que uma fotografia e fui fazendo render para a semana. Já estou a rezar o pai nosso três vezes por serão.

Nem tudo à minha volta é fotografável para mim. E há semanas e semanas, vocês sabem. Mas enfim, olhando para tudo o resto, teria todas as razões para estar muito satisfeita com o meu desempenho. Há excepção de um último “detalhe”. Era suposto isto ter acabado a 31 de Dezembro de 2017, não a 3 de Dezembro de 2018. Como eu disse, detalhes. Vendo bem, só falhei o dia e o ano, o mês foi em cheio. Confirmei, com isso, o meu optimismo incurável – acreditei, até poucos dias antes, que ia conseguir acabar a obra a tempo. Até ao momento em que percebi que não. E aí, enfim, permiti-me um desleixo compensatório, como quando passamos um ano sem comer ferrero rocher e de repente devoramos uma caixa inteira porque, enfim, é Natal, e é um luxo sazonal que não podemos desperdiçar. Diria que 80% das fotografias são de facto de 2017. Em relação aos outros 20%, deste ano, podemos pensar nelas, de certa forma, como fruto das experiências desse ano também. Afinal, quanto do que somos hoje reflecte as experiências vividas nos anos anteriores? Não sei se me safo desta com reflexões filosóficas, mas fica a tentativa.

Regras à parte, estou orgulhosa de mim. Não tanto pela parte técnica – apesar de ter aprendido algumas coisas novas, especialmente com as ideias mirabolantes dos desafios semanais, sinto que muito disso se perderá por falta de prática – mas sim por algumas das fotografias que consegui sacar, e, mais do que tudo, por ter conseguido levar isto até ao fim. Ainda que fora do prazo de validade, mas podem ver na mesma que não vos vai deixar doentes da barriga. Se precisava de um 365 para sacar estas fotos? Acho que não. Fotografia é, para mim, uma forma de me expressar, e, tal como quando escrevo, a inspiração não vem todos os dias, e são mais os dias em que tende a não vir. Nunca a frase “aproveita o momento” fez tanto sentido como quando o tema é este. Contudo, tenho que admitir que o 365 me fez olhar para o que me rodeia com olhos mais curiosos que o habitual, qual predador à procura de alimento. Felizmente, foi só durante 365 dias. É que eu nasci para ser distraída. Ou com atenção selectiva, se preferirem.

Partilho convosco o resultado deste desafio louco, com a certeza profunda que não me apanham noutro. Mas não desincentivo ninguém, desta vez fico é MESMO na bancada. Um avé aos meus companheiros de equipa que lograram este feito a tempo e horas. Um dia vou ser disciplinada assim. Ou talvez não. Muito provavelmente não. Mas devo à vossa loucura este reviver de 80% – mais a teoria filosófica e pedaços do baú – do meu ano de 2017, ou, pelo menos, de algumas das imagens e momentos que ficaram para contar a história.

Vemo-nos por aí, nas próximas fotografias. Rebeldes, anárquicas, sentidas.
Bons disparos,
Diana Flores

(fotos com melhor qualidade, legendas e jogos do galo para todos os gostos disponíveis aqui)

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