reuniões de condomínio

Há palavras que nasceram condenadas ao desdém. À aversão. À repulsa. Ao quase-ódio. Dou-vos um exemplo: despertador. Não há como amar esta palavra. No melhor cenário, ela mora na rua da indiferença, para aquelas alminhas que acordam, espontaneamente, quase tão cedo como a hora a que eu me deito. E bem-dispostas, como se não bastasse. Mesmo a roçar o feito super-heróico.

Bróculos, outro exemplo. Não há como gostar de bróculos, e quem diz que gosta não seria capaz de o fazer sob juramento em tribunal. É só mais uma forma de boa-ação-do-dia, isso de gostar de bróculos. E como são verdes, ganha-se pontos extra (nem que seja em tempo de compensação). Se ainda assim forem biológicos, fica-se com a semana arrumada no setor das boas ações, que garante imediatamente um chapéu de sol e uma espreguiçadeira no reino dos céus.

Ralos. Piaçabas. Feriados-ao-fim-de-semana. Segundas-feiras. Reuniões-de-condomínio. E fiquemo-nos por aqui, porque aqui nasce o meu apelo. Pobres palavras condenadas ao desamor fruto do contexto onde se geraram. Sugiro uma abordagem diferente: reposicionemo-las no tabuleiro de jogo de anca que é o nosso dia-a-dia. Terminou, há pouco, mais uma reunião de condomínio no meu prédio. Éramos 4 e um cão, com um total de adesão de 100% dos inquilinos, como manda a tradição do 381. Discutimos a atualidade. Criticámos coisas. Soluções? Muito poucas. Divagámos. Viajámos para o passado-ai-que-antes-é-que-era-bom (já não se faz música assim) e, minutos depois, para o futuro-que-vai-ser-de-nós (carros em Marte e foguetões que sobrevivem mais que algumas músicas candidatas ao Festival da Canção). Enfim, fomos felizes, nestas 4 horas de serão, cumprindo todos os requisitos a que uma reunião de condomínio obriga. Alguém, no seu perfeito juízo, batizaria estes encontros como “meros jantares de amigos”. Mas de água benta eles têm muito pouco. Quanto muito aquela pós-milagre, transformada em vinho tinto. Assim, “reuniões de condomínio” pareceu-me bem mais original.

Ter “reuniões de condomínio” com os melhores vizinhos que nos podiam sair na rifa tem tudo para correr bem. Resolve-se logo um conjunto de questões da ordem de trabalhos: resolvem-se os problemas do mundo com boas intenções; resolve-se a saudade que vai tomando proporções desumanas na ressaca entre reuniões; resolve-se um dia, ou uma semana, que nasceu torto/a com gargalhadas tão apuradas como o jantar cozinhado com carinho q.b. E resolve-se este karma do conceito – e respetivo preconceito que, em flagrante parasitanço, partilha a casa, comida e roupa suja – das reuniões de condomínio.

Sejamos mais fortes. Mudemos a perspetiva. Adotemos um cão a quem vamos chamar “segunda-feira”. Anda aqui, Segunda-feira. Senta. Dá a pata. Ou um cágado a quem vamos chamar Piaçaba. Inventemos uma sobremesa chamada cutão. Uma lotaria especial “bolor”, para celebrar os seus não-sei-quantos-anos-de-existência. Nem todas as palavras podem nascer com a benção de um domingo de manhã. Com o conforto de uma manta felpuda e um par de pantufas. Com a classe de um brunch ou a atração de uma almofada. Mas nós podemos fazer a nossa parte, oferecendo-lhes uma vida plena de circunstâncias diferentes. Para mim, as reuniões de condomínio estão salvas do mau-olhado para a eternidade e mais além. E tu, já salvaste uma “palavra” hoje?

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