8 meses

8 meses no pêlo e começo a pensar que devia ter nascido umas quantas gerações à frente. Disse-me um ansi(c)ão que o mundo já evoluiu mais que a minha técnica de agarrar a bola no ar – tenho farejado o carteiro todos os dias e o meu instinto canino diz-me que ele ficou com o meu convite para jogar na NBA – mas a verdade é que nenhuma alma inventou ainda uma estratégia infalível para manter aqueles dois em casa. Tenho levado a cabo algumas experiências, mas estou tentado a acreditar que a ciência não é para mim. Será que só resulta se me enrolar num lençol branco e roubar os óculos de bricolage que ela usou para lixar as cadeiras do jardim?

Experiência 1: A Estátua
Quando o ritual matinal deles está prestes a terminar, voo escadas abaixo, aterro no sofá, e finjo que não respiro. Mais firme e hirto que uma montanha. Quando Eles passam por mim, lanço-lhes o meu olhar mais profundo e desolado. Às vezes hesitam. Às vezes aproximam-se. Às vezes colam o focinho deles ao meu e trocamos lamechices. Mas, no final, o resultado é semelhante: sozinho em casa, temporada 3, episódio 10. As estátuas na rua ganham dinheiro. Eu, que sou um cão humilde e sem grandes ambições económicas, não me safo nem naquela semana do mês onde, alegadamente, pelo menos Ela deveria estar mais sensível.

Experiência 2: Método Filandês
Diz-se, por esse mundo animal, que o que se faz lá fora é que tem valor. Fui investigar os índices de felicidade canina e os orelhudos da Finlândia lideram o ranking. Sempre achei que aquilo era terra para os Pardos dos Ursos, não para animais sensatos da minha espécie. Mas depressa percebi o porquê de tamanha alegria: lá é quase sempre noite, o sol é mais tímido do que eu quando vejo a Luna. Adoptei, por isso, o método Filandês: quando Eles completam 2/3 do ritual matinal, volto para a cama e entro num simulado sono profundo. Se eu fingir que ainda é noite, talvez eles voltem para a cama e dormimos os 3 em conchinha para celebrar. Ouço-os chamar por mim, lá ao longe. Não reajo. Eles insistem. Eu sou forte. Eles deitam-se ao meu lado, rendidos. Como é doce o sabor da vitória. Dois minutos depois levantam-se e arrastam-me para fora da cama. Não há direito. Não sei qual é o fundamento do provérbio “o que é doce nunca amargou”.

Experiência 3: O Mecânico
Sei que isto parece o pretexto ideal para ter um calendário com cadelas seminuas na parede. Mas eu estou focadíssimo no meu objetivo e o mundo já tem distrações que cheguem. Quando a porta abre para eles saírem, esgueiro-me para baixo do carro. Esta é uma estratégia que exige algum cuidado com a forma física. Principalmente no carro d’Ela, que parece que anda colado ao chão. Os mecânicos devem ser descendentes das minhocas, tão certo como esta experiência estar condenada ao fracasso.

Ela também parece concordar que a ciência não é para mim, e por isso decidiu introduzir-me à arte. Foi um bonito dueto no piano, ao som de notas aleatórias com alternância de patas. Ela, como fêmea que é, ainda conseguiu cantar ao mesmo tempo. Eram os anos do Xico, o gaiato da família. É um humano porreiro, por isso cãotrolei-me e ouvi até ao fim aquela voz de rouxinol aflito. Já dizia o brazuca: “os desafinados também têm coração”.

Até à prova dos nove,
Buddha

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