antes dos trinta

10 coisas a fazer antes dos 30
(ou daqui a 3 anos para os velhotes do grupo)

Ainda há pouco era de manhã, e agora já vai ser de manhã outra vez. Ainda há pouco era verão, ainda há pouco eu escrevia 2015 na data e não tinha que rabiscar um 6 por cima do cinco.

A vida corre. Como se tivesse pressa se chegar a algum lugar. Como se tivesse hora marcada, mesa reservada. E nós, muitas vezes sem notar, ainda corremos mais do que ela. Como se amanhã fosse o dia certo para tudo o que não fizemos hoje. Como se aquela porta, onde hoje não entrámos, pudesse ser sempre aberta. Como se..

Escrever resoluções, para o próximo ano, para os próximos três, para os próximos dez, faz-me sentir que, por momentos, abrando a vida. Obrigo-a a parar, beber um gole de vinho, sentar-se um pouco a conversar. Traz à mesa as prioridades, que vivem lá, penduradas nos cabides (ou nas cruzetas) do inconsciente, à espera que seja hoje o dia em que escolhemos vesti-las. Escrever, faz-me parar. Faz com que o que é essencial se ouça mais alto do que a voz daquele rapaz que todos os domingos ali se senta para cantar. Quem sabe se os domingos não são para ele o dia em que escolheu os cabides certos. Mesmo quando aquela camisa de verão não combina nada com o frio que se sente nestes dias, e que se vem sentar connosco à mesa vencendo a parede mal isolada.

Não é preciso muito. Um guardanapo de papel, uma caneta que há sempre alguém que sabe de alguém que tem. E alguma disciplina, para que o pensamento não fuja de nós a ver se ganha a corrida à vida.

faz as malas

Faz as malas, que amanhã, vai ser verão outra vez,
Vesti o outono de verde, pendurei-o de volta nos ramos
O inverno quis ir-se embora, diz que não sabe a quantas andamos
E desfiz os relógios em peças, para que não haja pressas.
De manhã, pela calada, fazemo-nos de novo à estrada
Para trás ficam os “ses”, as utopias, o “quem-me-dera”.
E se o futuro ligar, será fácil de empatar:
deixamos a chamada em espera.

bom dia porto covo

11990477_928345720556770_8731302044409128929_nBom dia a quem bateu com a cabeça na “parede” do carro todos os dias, sem excepção, e todas as vezes se riu e pensou “foi a última”

Bom dia a quem anda com a cabeça na lua e não se importava nada de ficar por lá mais uns dias, na doce caminhada da despreocupação

Bom dia à saudade, à lembrança do conforto do que nos habituámos a chamar de casa, aos amigos e família com quem partilhamos os momentos (mais ou menos) felizes, ao trabalho que fazemos com paixão apesar de todas as adversidades (leia-se impostos e coisas que tais).

Cheira a mar, a café, a livros folheados
Cheira a abraços de reencontro e à melancolia antecipada de umas férias de sonho.

o egoísmo da felicidade de quem fica

Há pouco mais de uma semana, lia, nas palavras de alguém que decidiu mudar de país por opção (não por falta de opções), algo sobre a dose de egoísmo que está presente na felicidade de quem decide ir (ponto n1 deste texto).
Hoje, dou por mim num já lugar comum, o do egoísmo presente na felicidade de quem fica. É um autêntico baloiço de emoções. Este orgulho por ver aqueles de quem gostamos ter a coragem de ir e lutar por aquilo que acreditam, por um futuro escrito pelas próprias palavras e não apenas pelas que vagueiam no país onde nasceram, ou simplesmente pelo espírito aventureiro, livre, desprendido, de ir em busca do que de bom e desafiante pode haver na surpresa do desconhecido. E do outro lado – e que outro lado! – esta tristeza que vive na certeza que há um lugar que não volta a ser preenchido, um vazio que ninguém substitui porque pertence apenas a essa pessoa, ao seu sorriso ou má disposição, às suas gargalhadas e amuos, à forma tão particular como ele ou ela nos faz sentir.
 
Partem uns e dão espaço para que outros cheguem, é certo, mas também esses criam um lugar tão especial. Um lugar só deles, que não substituiu ou compensa qualquer outro. Não há lugar para compensações na amizade. Há sim saudade, muita e sincera saudade.
 
Uma palavra de gratidão aos amigos que como eu vão ficando e me seguram neste baloiço, uma palavra de força aos amigos que vão para que se mantenham firmes na busca dos seus sonhos e objetivos, um abraço de boas vindas aos amigos que vêm por bem criar um novo lugar para si.
 
E no meio deste turbilhão de emoções, uma letra que delas fala tão bem.

uma divagação sobre as pessoas perfeitas

 

 

 

 

As Pessoas Perfeitas têm a vida perfeita, o marido/a mulher perfeita, os filhos perfeitos, os amigos perfeitos e a casa e o emprego perfeitos. Falam a língua perfeita, alimentam-se da forma perfeita, sorriem da forma perfeita.

Às vezes cruzo-me com estas pessoas. Estão, por exemplo, a almoçar ao meu lado, na mesa perfeita de um restaurante quase-perfeito. E é neste ambiente quase-perfeito em que nos cruzamos que dou por mim a pensar onde caberá a felicidade das pequenas coisas neste mundo perfeito. Porque elas também têm problemas, as pessoas perfeitas. Têm um ordenado quase-perfeito, porque a crise chegou a todos. Têm colegas de trabalho quase-perfeitos, membros de família quase-perfeitos. É uma chatice, que isto aconteça logo às Pessoas Perfeitas, com tanta gente no mundo.

Mas voltando às pequenas coisas. Será que as pessoas perfeitas dão gargalhadas espontâneas que se ouvem do outro lado da sala? Será que ficam com as calças sujas depois de se sentarem na relva? Será que falam alto quando se entusiasmam entre amigos? Será que se deixam lamber na cara pelo seu animal de estimação perfeito? Será que ficam com areia da praia nos pés? Será que algum dia sentiram o conforto de serem amadas por entre as suas perfeitas imperfeições? Terão nódoas negras de baterem nos seus móveis perfeitos? Restos nos dentes perfeitos depois de comerem azeitonas? Será que têm soluços num ritmo perfeito? Será que ficam rabugentas no meio da sua vida perfeita? Será que fazem beicinho?

Que robótico deve ser esse mundo, o das Pessoas Perfeitas.

aqui nasceu o jazz

Aquele momento em que vais uma instituição para vender um serviço, és recebida pelo dono de 85 anos que te conta todo o seu percurso de vida com mais detalhes do que os minutos que tens para o ouvir, mas mesmo assim não te consegues levantar, ou apressá-lo, sentes que ele precisa daquele tempo, daquele respeito, de contar aquela história provavelmente pela milésima vez – ajudas, quanto muito, a encontrar as palavras que a memória dele já não disponibiliza com a velocidade que o discurso impõe – e sais de lá, 40 minutos depois, sem vender o serviço porque não se ajusta ao que esperavas encontrar, mas com a nítida sensação que ganhaste o dia e mais uma mão cheia de lições de vida.

As surpresas que escondem as portas do Porto.

as judites


Em 25 anos de vida, conheci poucas pessoas que me deixassem sem palavras. Não falo de um deixar sem palavras qualquer, mas sim daquele que surge quando tudo em mim se cala para absorver cada palavra, cada mensagem, cada pedaço de sabedoria que aquela pessoa tem para transmitir. Uma sabedoria que não vem (só) dos livros, mas de uma coleção de experiências de vida que nos vão moldando a personalidade, eliminando muitas das nossas jovens certezas e, mais do que tudo, nos ensinam a ver em perspetiva.

E nem tudo são coisas boas neste percurso. Aliás, diz-se por aí que são os momentos difíceis os verdadeiros professores da vida. E essa é mais uma razão que me faz admirar quem por eles passa e ainda consegue soltar gargalhadas valentes que absorvem qualquer recordação mais triste.

Como eu disse, na azáfama do meu dia-a-dia, não encontro muitas pessoas assim. Talvez por ele ser exatamente uma azáfama e deixar pouco espaço para (re)encontros. Talvez eu não seja facilmente impressionável a este respeito. Ou talvez tenha ainda muito que aprender na arte do saber ouvir. É incrível a quantidade de coisas que podemos aprender quando nos dispomos realmente a ouvir alguém assim. Hoje foi um desses dias. E sempre que um momento assim acontece, dou por mim a pensar nos tantos outros que perdemos pelo caminho.

Ter muitos anos não é só sinónimo de dores nas articulações, cabelos brancos e pele com os vincos que o tempo deixou. Ter muitos anos é ter um baú de experiências e lições de vida prontas a serem partilhadas se nos dispusermos somente a ouvir. Venham mais dias assim, e mais pessoas assim, que nos inspirem, que nos absorvam a atenção e nos façam querer que as horas não voem. E venham mais ouvidos atentos, menos certezas, mais suspiros de admiração.