4 meses

4 meses e um pata cheia de passeios ao jardim. Que bem que sabe atingir a primeira etapa da maioridade canina. Chega a ser quase tão bom como cenoura crua ou o pedaço de maçã que Ele me dá quando tomamos o pequeno almoço juntos.

Passei o último mês a conquistar miradouros. O sofá é uma ótima torre de vigia: tenho vista privilegiada para a ração d’Eles na hora da refeição. É bastante mais colorida que a minha, mas também suja mais louça. Podia ajudá-los com essa parte, se me deixassem lamber os restos. Ela sabe bem como é esta sensação: dá para farejar a léguas a vontade que Ela tem de fazer o mesmo quando come gelado com petit gateau.

Cãotudo, a melhor vista da casa é, sem dúvida, do alto da cama d’Eles. Consigo perceber porque é que se contorcem e gesticulam tanto cada vez que salto para lá: inveja pura. Quem me vale ainda é Ela. Quando uso o contacto visual n.º 3 e lhe junto uma retração das orelhas Ela lá percebe que eu tenho o dom da partilha e desfrutamos da vista os dois. Em média dura 3 minutos. O meu record foi uma noite inteira, em que Ele não estava em casa. Mas o meu faro diz-me que não passou de um outlier. É nestes momentos que dou por mim a pensar como tudo seria mais fácil se tivesse nascido Gato. Com Botas.

O meu reinado de Cãoquistador não se fica por aqui: outro dia enchi-me de cãoragem e desci as escadas do terraço. Que maravilha! Canteiros para escavar e um esconderijo perfeito para a minha cãoleção de folhas secas. E tenho acesso direto ao meu ginásio: a garagem. Até descobrir o Jardim das Tulipas, era esse o meu local de eleição para correr em círculos. Pudesse eu ir lá sempre que me dá no pêlo e já me tratavam por Buddikwelu. Por outro lado, o caminho até ao jardim por vezes deprime-me a cauda. Ainda tenho que confirmar com o Melman, mas tenho fortes suspeitas que desenvolvi autocarrofobia.

Dou notícias daqui a um mês. Agora tenho que ir ali mostrar-lhes como me sei sentar, deitar, ficar e fazer chichi e cocó onde eles pedem. Dá trabalho, é certo, mas um cão não se alimenta a pão de ló. E aquele brilho nos olhos d’Eles chega a ser melhor que uma capela de ossos.

Buddha

Buddha


Olá,
eu sou o Buddha e tenho 3 meses.

Faz hoje 1 mês que encontrei uma nova família. Ainda estou a tentar decifrar as palavras, as caretas e os sons que aqueles dois fazem, principalmente à hora do meu jantar.

Já quase consegui fazer chichi em todas as divisões da casa. Acho que há uma que Eles preferem, e eu até nem me coço muito com isso, porque posso comer jornais ou folhetos de eletrodomésticos (o JN é o mais saboroso).

Já perdi a conta às vezes que tentei subir para o sofá, mas decididamente é mais fácil esconder-me debaixo dele. Estou a começar a afeiçoar-me ao resto da mobília, mas o meu sexto faro diz-me que quanto mais mostro o meu interesse, mais depressa lhe perco o rasto. Talvez esteja na hora de repensar a minha abordagem.

O momento alto do dia é caçar as folhas secas do terraço. Nas horas felizes (coincidentemente quando Eles estão distraídos), consigo fanar algumas pedras ou escolher a sobremesa: a terra do abacate.

Ainda não percebi qual é a hora exata da sesta mais longa. De qualquer forma, acho bastante injusto o tamanho da cama deles em relação à minha. Era capaz de apostar o meu osso de roer em como caibo perfeitamente no meio daqueles dois. Todas as noites lhes tento dizer isso. Ela às vezes parece que me entende, mas Ele acha sempre que quero fazer chichi.

Para 3 meses de existência, considero-me um cachorro muito viajado: duas visitas ao médico, uma viagem à capital e algumas a Viseu, onde este fim de semana descobri como é bom dormitar no chão em frente à lareira. Aproveitei também para me iniciar na prática desportiva com um humano que cheira quase tão bem como Ela.

Estou igualmente a esforçar-me para ser sociável, já que volta e meia aparecem uns humanos lá em casa. No início era uma confusão de cheiros, mas agora já começo a conseguir catalogá-los. Por falar em cheiros: ainda estou para descobrir onde é que Eles esconderam a lata de atum.

Às vezes fico sozinho em casa. Sei que muitos cães anseiam por este momento, mas confesso que me aborreço facilmente. Alguém lhes diga que ainda não tenho idade para isto. A prova são os meus dentes de leite, que tão bem tenho usado para mordiscar os caracóis dela ou aparar a barba dele. Esqueçam o que eu disse: o momento alto do meu dia é quando Eles chegam a casa.