Vou iniciar esta reflexão confessando as minhas tendenciosas características anti-evolutivas, que podem facilmente confundir-se com uma alergia não sazonal a quase tudo o que a tecnologia inventa para melhorar o que para mim já estava bem feito. É por isso que reclamo cada vez que tenho que mudar de telemóvel ou, simplesmente, atualizar o sistema operativo do atual; cada vez que sou atendida por um robot em substituição de uma pessoa real a quem poderia – se assim quisesse – apertar as bochechas e fugir em retirada; ou cada vez que o mundo espirra no sentido de uma evolução tecnológica que nos parece afastar cada vez mais das pessoas e nos atrai, vertiginosamente, para os écrans.
Realizado o enquadramento necessário ao que se sucede, digo-vos eu, com sinceridade, que não precisam de passar mais de 3 minutos em redes sociais para perceber que a nova divisão do mundo está entre:
– pessoas que estão a (ou querem muito!) ajudar outras pessoas
– pessoas que precisam de ser ajudadas
As categorias do altruísmo são diversas, mas a bolsa está claramente em alta no que se refere a moda, (des)nutrição, e, claro, atitude de vida, #mindset, #lifegoals ou todos os outros conceitos que eu não sei enumerar porque fui preguiçosa e não fiz uma revisão bibliográfica decente antes de me decidir a escrever este pequeno desabafo.
Atingido este momento de iluminação, dou por mim a perceber que, não estando eu, atualmente, na virtual missão de ajudar meio mundo, posiciono-me, por consequência, na metade que precisa de ser ajudada. Ora foi aqui que quase me faltou o ar. Vocês fazem ideia da quantidade de vídeos que eu tenho em atraso? E stories? E lives? Já não bastava a minha caixa de e-mails por responder para me dar palpitações, e agora esta sensação de que estou a falhar com todas aquelas pessoas que me aparecem no telemóvel com mensagens inspiradoras para um público imaginário do qual, só agora percebi, faço parte! E eu ali, incrédula, sem saber como vou poder estar no mesmo dia na abertura da nova loja do pingo doce que vai ter um give-away de cotonetes, ou no retiro que me vai ajudar a perceber que afinal a vida pode dar para os dois lados. Como os cotonetes. Redundâncias pessoas. A vida está cheia delas. É isso e escolhas.
Por falar em escolhas, já fizeram as vossas para este ano? O que fizeram ontem para ir na direção dessas escolhas? E hoje? Ainda dá tempo, até à meia-noite temos cinderela. Eu, este ano, escolhi dormir. Arrisquei assim, sem ter consultado o horóscopo primeiro ou ouvido as recomendações das principais influencers – é que nos lives da passagem de ano não se ouvia bem o que elas diziam com o barulho de fundo do fogo de artifício. Mas ainda vou a tempo, não há necessidade nenhuma de passar por este esforço sozinha quando tenho tantas pessoas a querer ajudar. Independência é sobrevalorizada, ouviste Afonso Henriques? Tenho MESMO que começar a ver aqueles vídeos com atenção. Mas amanhã, tá? É que agora tenho MESMO que ir dormir. Sabem como é, escolhas.