Author: Diana Lopes
então é natal
Os meus presentes, de ano para ano, estão cada vez menos ao redor da árvore de Natal. Os meus presentes estão assim: ao meu lado, no meu colo, no meu coração, no meu dia-a-dia de trabalho e nos momentos de dolce far niente, nos meus fins-de-semana em família ou nas gargalhadas entre amigos.
Os meus presentes acompanham-me o ano todo, fazem-me sentir amada e eternamente grata. Os meus presentes têm nomes de pessoas, têm a dimensão de um grande amor e do melhor namorado do mundo, e a partir deste Natal têm focinho também.
Que bom que foi 2016.
Obrigada a todos os meus Pais Natais. São vocês a razão deste meu sorriso de criança.
Que a vida vos brinde com estes pequenos grandes presentes também,
que 2017 vos estrague com mimos!
Boas festas amigos.
boa noite, margarida
A Margarida gira o dedo e enrola os caracóis.
E por falar neles, como hoje está de chuva, pode ser que se vejam alguns, relembra.
A Margarida tem um baú, e lá dentro tem um tesouro. Abriu o baú para mim, mas esqueceu-se de me mostrar o tesouro.
A Margarida é toda arte. Tem nela a confiança de quem se eleva do sofá e se atira para o tapete. Tem a paciência com que aprende a ser uma árvore de perna e braços no ar, e a resiliência para se manter erguida mesmo com os desequilíbrios da excitação. Tem dentro dela a melodia do amor incondicional, exteriorizada numa canção que acabou de inventar.
As cortinas da Margarida são compridas e tocam no chão, as minhas são triangulares e cabem dentro das janelas. Aprendeu comigo a desenhar andorinhas, eu aprendi com ela a desenhar um menino chamado Afonso.
A Margarida lê o jornal e veste casacos de cabedal.
A Margarida é tão pequenina como os anos que ainda lhe cabem numa só mão, e tão grande como o amor com que a mãe e o pai lhe enchem os dias e coração.
Pode ser que ela ainda não saiba, mas eles são o seu grande tesouro. E, bem apertadinhos, talvez caibam dentro do baú.
Conheci a Margarida hoje, mas sei que vamos ser grandes amigas. É o tipo de coisa que se sabe quando jogas o jogo do Ruca e nos sai o mesmo número no dado. Três vezes seguidas.
A Margarida deu-me tanto hoje.
Eu dei-lhe o meu tempo e uma canção de embalar que acabei de inventar.
E eu sinto: a canção pode até perder-se no tempo, mas o tempo que lhe dei nunca será um tempo perdido.
Boa noite, Margarida.
prepara a arca, noé
Prepara a arca, Noé
que alguém tramou o céu.
E pela força das pingas,
já comentam as más línguas
que é matéria para croché.
Eu cá tenho o meu palpite
para tamanho dilúvio.
Tão repentino e com tal vigor,
só pode ser desgosto de amor.
Isso ou apendicite.
Seja o que seja, reconsiderem
pelas almas do rés-do-chão.
Que isto da chuva maça
e a virar moda é desgraça
que o meu carro não tem leme à mão.
recomeça, já dizia o miguel
“Recomeça…. se puderes, sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade
Enquanto não alcances, não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.”
Conheci o Miguel há uns anos. No auge das angústias e da pressa de viver, a que também chamam adolescência. Não recordo os detalhes do encontro, mas era capaz de apostar o outro olho do Camões em como foi numa das aulas de Português – Será que apostar o outro olho do Camões dá direito a prisão em terras lusas? Valha-me Santa Imprudência. – O Miguel não me deixou muitas lembranças desse primeiro encontro. Mas deixou-me estas palavras, que num intervalo aproximado de anos bissextos se fazem içar pelas cordas da minha memória. Hoje, recordei-as ao som de outro Miguel, de outro poeta.
O Miguel da Recantiga
“E era as folhas espalhadas, muito recalcadas no correr do ano,
A recolherem uma a uma por entre a caruma de volta ao ramo.
E era à noite a trovoada que encheu na enxurrada aquela poça morta,
De repente, em ricochete, a refazer-se em sete nuvens gota a gota.
E, era de repente o rio, num só rodopio a subir o monte,
E a correr contra a corrente assim de trás para a frente a voltar à fonte.
Um monte de cartas espalhadas des-desmoronando-se todo em castelo,
E era linha duma vida sendo recolhida de volta ao novelo.
E era aquelas coisas tontas, as afrontas que eu digo e que me arrependo,
A voltarem para mim, como se assim tivessem remendo.”
Este é um meus poemas mais-que-tudo da música portuguesa. Não será de estranhar, vindo de um dos meus artistas mais-que-tudo da música portuguesa. Já lá vão os dias em que a rádio se alimentava destas palavras. Era a todas as refeições. E eu temia por elas. Imaginem a angústia – outra vez a angústia – de ver o vosso lápis preferido a ser constantemente afiado. Mas – suspiremos – esses já não são os nossos dias. Quando este poema tocava na minha cabeça, eu dividia-me: dois quartos de contemplação pelo encaixe perfeito do jogo de palavras, três sextos de ambivalência porque essas mesmas palavras falavam de dias que já não voltam. Em suma, sentia este poema como uma proto-tentativa (de tão pouco determinada que soava) de refazer os dias já passados. E esta sensação combinava muito pouco com a minha forma de cumprimentar a vida. Estivesse eu na adolescência e seria motivo para mais uma angústia.
Talvez por ter nascido em Janeiro, com um ano inteiro pela frente, não tenha este hábito de consultar frequentemente o passado. Digamos que faço as minhas consultas de rotina. E quando algo dá para o torto, sou capaz de acampar no consultório até conseguir dar um jeito de endireitar o presente. Mas, de uma forma ou de outra, a consulta corre sempre bem, porque eu nunca vou com ambições de mudança. Vou para ouvir e aprender. O que está feito está feito, o que está dito está dito. E, se for tempo de mudanças, então agendo-as para o presente, ou quanto muito para os dias futuros, se houver ainda necessidade de encaixotar ou desencaixotar emoções.
Hoje, deu-me aquela vontade súbita de usar o lápis preferido. Ouvi a Recantiga três vezes seguidas, porque isto de matar saudades requer abraços demorados. E eis que quando os três sextos ambivalentes se preparavam para picar o ponto, o outro Miguel entra na sala. Talvez eles tenham feito um pacto secreto pelo nome que os une. Mas se não era o Torga a trazer-me as primeiras notas do “Recomeça”, eu não creio que algum dia fosse capaz de olhar para a “Recantiga” do Araújo como uma sequência de possíveis recomeços. Como se pudéssemos organizar o passado às fatias, e com cada uma delas criar a oportunidade de fazer um bolo melhor. Reformular os ingredientes. Afinar quantidades. Relançarmo-nos no jogo, como se a vida permitisse que, de quando a quando, os dados mostrassem o mesmo número de pintas.
Agora – obrigada Miguel! – já só um terço de mim se sente ambivalente a ouvir a Recantiga. E eu digo-vos qual é: é o terço teimoso. Mas, a julgar pela fatia de hoje, mais uma boa dose de uma boa poesia e, quem sabe, recupero a minha unidade e faço as pazes com a cantiga.
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Não há dois Miguéis sem três, por isso obrigada Miguel pela tua amizade desde aquele tempo das angústias. Este texto é para ti, embora os dois saibamos que a minha real arte será sempre a banda desenhada.
o verão fica-nos bem
“Quero o inverno outra vez”,
Disse ele ontem, já ensonado.
E entre o sono eu sorri, também quero esse inverno citado.
Hoje, tenho a certeza: o inverno pode esperar.
E peço ainda, se possível, que as horas passem bem devagar.
Que os ponteiros, desnorteados, tropecem nos minutos já contados.
Que os dias se alarguem numa preguiça matinal.
E que o Sol se engane na estrada para Poente.
Que o dia volte atrás, por cada noite em frente.
Que o mundo, ao seu jeito, gire que nem tartaruga.
Que a vida, pachorrenta, se demore no passar:
Tal qual moça vaidosa, quando se quer pôr bonita
Ou como o moço que, por má sorte,
Não encontra o par da peúga.
Não tenho, amor, porque apressar
Esse inverno que me dizes
Porque ao teu lado, nos entretantos,
Eu só conheço horas felizes.
Além do mais e também,
O retrato é quem o diz: o Verão fica-nos bem.
tempo e amor. e rebuçados.
Genuínas. Simples. Com o coração nas mãos: arriscam, caem, levantam-se. Às vezes choram, nada que um abraço não resolva. Riem muito. Fazem(-me) rir tanto mais. Espontâneas. Cheias de sonhos e de possibilidades. Só “pedem” duas coisas: tempo e amor. E rebuçados, às vezes também pedem rebuçados.
Hoje o meu coração dividiu-se. Uma parte é gratidão, pela criança que fui, pela criança que ainda sou, e pelas crianças de 7 meses ou 70 anos que me rodeiam e me fazem tão feliz. A outra parte, eu nem sei descrever. Acho que ainda estou zangada com o mundo. Há poucos dias, vi uma mãe chorar a morte de um filho com semanas de vida. Abracei-a com a força de uma amizade sentida. Demorei-me. Podia ter ficado ali para sempre, naquele abraço tão apertado que a dor não ia ousar construir casa entre nós.
Quantas mães, quantas crianças mais.
Tempo e Amor. Abraços.
Que façam os nossos dias enquanto os dias forem nossos.
ervilha
“É preciso uma aldeia inteira para fazer crescer uma Ervilha”
Ontem à tarde chegou à aula de Pilates e disse-me que se sentia diferente. Que estava para breve. E eu acreditei. Dei-lhe um abraço apertado no final da aula – “o abraço das 38 em diante”, como lhe chamo. Estava para breve.
Acompanhei o crescimento desta pequena Ervilha meses a fio. Vi a barriga da Mãe a crescer, a tranquilidade e a consciência de si mesma e do seu corpo a tomar o lugar das angústias, das incertezas. É das metamorfoses mais bonitas a que tenho o privilégio de assistir, no meu dia-a-dia.
“A caminhada está feita. Agora, é só deixares-te levar” – disse-lhe logo depois do abraço. E a porta fechou-se e comigo ficou a promessa que voltariam para nos ver, os três.
Hoje de manhã, o telefone toca. “Nasceu, nasceu esta madrugada”, diz-me a Isabel, com a alegria de Parteira na voz. E que nascimento! Nunca nos havemos de esquecer deste, isso é certo. Esta pequena Ervilha apanhou-nos a todos de surpresa. Escolheu o dia e a hora a que ia nascer. E, atrevo-me a dizer, escolheu o local também. Está visto que vai ter uma determinação daquelas que mudam o mundo.
“É preciso uma aldeia inteira para fazer crescer uma Ervilha”. Obrigada Mamã. Obrigada Papá. Obrigada por este miminho. Obrigada por terem confiado em nós para pertencer a essa vossa aldeia. Foi uma caminhada bonita até então. Mas a melhor, a melhor é a que está à nossa frente. A Gimnográvida será sempre a vossa casa, nós seremos sempre a vossa aldeia. Estão no nosso coração.
plano secreto
Hoje saíste de casa assim, com um grande sorriso. Até os meus olhos turvados de sono o conseguiram reconhecer. E não há melhor sorriso do que este. O sorriso de quem está em paz consigo e com a vida. O sorriso de quem se levanta para caminhar na direção dos sonhos, ainda que eles possam parecer um pouco turvos também.
Sei que vou insultar muitas vezes esse comboio que te leva para longe de mim. Mas sei que o vou perdoar todos os dias, quando trouxer o teu abraço de volta. Tenho muito orgulho em ti. Vejo-te a colecionar sucessos, vejo a forma humilde e construtiva que usas para tirar partido das tuas derrotas. Importas-te, constróis, não fazes por fazer. És um grande ser humano. Onde vais, marcas a diferença. No trabalho e, mais do que isso, nas pessoas. Quem já teve a sorte de trabalhar contigo sabe bem do que falo. Eu sou uma sortuda, mas eles não ficam atrás.
Vai e sorri muito.
E mostra a essa malta toda porque é que eles vão ser uns sortudos também.
Hoje é o primeiro dia do nosso plano secreto.
maria rita
Fico rendida quando vejo pessoas apaixonadas: por alguém, por uma causa, por uma profissão. São 22h e sentamo-nos à mesa para jantar. Somos recebidos com a mesma simpatia e carinho com que se levantaram de manhã. O brilho no olhar já não brilha tanto – são 22h afinal de contas! – mas só porque o cansaço que toma conta dos olhos não deixa espaço para grandes partilhas. A dedicação, essa, continua lá. Não há cansaço que vença uma paixão.
Serpenteiam-se por entre o desejo de um freguês e a ânsia do outro. Podem esquecer-se de trazer a lista, mas nunca do sorriso. Não fosse o nosso cansaço também, e quase que esquecíamos que já eram 22h. Ou melhor, meia noite. Quase meia noite e ainda há lugar na mesa para aquele mimo especial. Ainda há espaço para falar do verão, da disposição das mesas quando a casa enche, da medicação que não deixa brindar connosco.
Falam com o coração. Fazem-me sentir em casa, esteja o restaurante vazio (coisa rara) ou com dez pessoas à porta, a abrigarem-se da chuva com a certeza que a espera compensa. No meio de umas garfadas e um gole de vinho, ainda lhes sacamos um sorriso rasgado. Gargalhadas a esta hora é só para os mais talentosos – e nosso o talento também tem sono. Estamos todos cansados, estamos todos felizes. Tivemos a sorte de nascer bem dispostos (aposto que estava sol nesse dia).
Tenho orgulho destas pessoas. Genuínas como a cidade que escolhi para viver. Acolhedoras como só os portugueses sabem ser. Generosas. Trabalhadoras. E, voltando aos aperitivos: apaixonadas.
São as pequenas grandes coisas.
Maria Rita, Porto