Quando me permito parar, quando me permito olhar com a atenção e o detalhe tantas vezes adormecidos pela azáfama dos muitos dias, o mundo revela-se diante de mim nas suas formas mais bonitas. A mais interessante das muitas é, para mim, o ser humano. Quando me deixo de corridas contra o tempo, dou por mim a olhar para as pessoas com os olhos de quem vê pela primeira vez. Com a curiosidade de uma criança. E são muitas as vezes me encontro com esta reflexão: o quão pouco sabemos uns dos outros. Quão pouco sabemos de nós.
Só eu, conto pelo menos três histórias diferentes em cada pessoa em que me demoro.
A história que, sem querer, imagino, enquanto olho para ela. A história que se constrói na limitação das minhas crenças e preconceitos, aprisionada pelas amarras da minha própria criatividade.
Um pouco mais aproximada da verdade, há depois a história que cada um conta sobre si mesmo, todos os dias. Ao falar de si, daquilo que pensa ou acredita, das suas memórias, dos seus planos de futuro.
Mas a história que mais me intriga, a história que mais me apaixona, é esta nossa história que só a nós contamos. Aquela que ainda estamos a descobrir. Aquela crua, sem filtros, sem juízos de valor. Aquela que vive para lá da aceitação do outro e da sociedade em geral. É essa que me faz ficar ali, parada, a observar cada desconhecido com um interesse genuíno, com a doce inquietação de quem começa a ler a primeira página de um livro novo.
É assim que (n)os vejo, como um livro.
Que talvez leve uma vida a ler – e que bonito (?) se assim fosse.
Que talvez nunca ninguém leia de verdade – e que triste (?), se assim o é.
Esse sim, seria um livro e tanto. O livro das três (mil) histórias que somos, cada um de nós, humanos.
// retratos de um comboio. Myanmar, 2019 //