“Fabricou primeiro um perfume banal, uma capa olfactiva de um cinzento-rato para todos os dias, onde ainda figurava o odor a queijo azedo característico da Humanidade, mas que apenas chegava ao exterior como que através de uma espessa camada de roupas de linho e lã, envolvendo a pele seca de um velho. Este odor permitia-lhe misturar-se, comodamente, no meio da multidão. O perfume tinha intensidade bastante para uma justificação olfactiva de uma existência humana, mas era, ao mesmo tempo, tão discreto, que não incomodava ninguém. Grenouille não tinha, na realidade, a sua presença marcada pelo odor, e, todavia, ela estava muito humildemente justificada: uma posição híbrida que lhe convinha na perfeição, tanto na casa Arnulfi, como quando se deslocava eventualmente à cidade.
Em certas alturas, no entanto, este perfume modesto tinha os seus inconvenientes. Quando ia fazer compras para Druot ou por sua própria conta e queria adquirir em qualquer loja um pouco de lima ou uns grãos de almíscar, acontecia, por vezes, passar de tal forma despercebido, que o esqueciam e não o serviam; ou, então, reparavam nele mas serviam-no mal ou esqueciam-no a meio. Para os casos idênticos, fabricou um perfume um pouco mais áspero, cheirando levemente a suor, um pouco mais penetrante e subtil, olfactivamente falando, que lhe proporcionava uma personalidade mais brusca e dava a entender às pessoas que tinha pressa e coisas urgentes a fazer.”