Ao passar à porta do quarto dele
o seu corpo ainda estremece.
E aquele sufoco no peito,
será que nunca desaparece?
Espreita o berço, imaculado
que só chegou a ser usado
nos ses da imaginação.
Quis o destino ou a má sorte
que ela digerisse a morte
na sua mais amarga versão.
Todos os dias, ao acordar,
sempre o mesmo ritual:
aqueles minutos de pausa, para acreditar que é mesmo real.
Ele não vai voltar.
E a ela faltam-lhe as forças, até mesmo para chorar.
Ele partiu, e deixou as memórias
de 9 meses de histórias
que ela construiu em segredo,
porque na imaginação não há medo:
os primeiros passos, os abraços da irmã,
a primeira vez que ele diria “mamã”.
O primeiro dia de escola.
O primeiro pontapé na bola.
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“É a menina dos olhos da mãe”
diziam eles sem hesitar.
E ela sorria e consentia,
nem se esforçava em negar.
Era a única, e tão desejada,
que o seu amor não conhecia outra morada,
que não a da filha, Maria Belém.
Faz amanhã um ano, que a mãe viu Maria partir.
Aquela doença cruel, que nem deu tempo para se despedir.
Vinte e nove anos de vida, um futuro ainda a florir.
Agora a mãe vive em silêncio, naquela casa vazia.
Não tem fome, não tem sede, não distingue a noite do dia.
Outrora crente, devota,
agora tudo em si é revolta,
e uma dor cravada no peito,
que dorme consigo no leito
e não há quem a leve embora.
Zangada com a vida e com Deus
ainda se pergunta, olhando os céus,
como foi afinal Ele capaz
de, num instante tão fugaz,
roubar a menina da sua mãe,
a menina que lhe queria tão bem,
a sua única Maria,
a sua Maria Belém?
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Era um dia cinzento de Outubro
e a temida carta chegou.
Ainda a leitura do filho ia a meio
quando o seu coração congelou.
Era a Pátria que por ele chamava
para uma guerra que não tinha fim.
Tudo nela dizia “não”,
mas ao seu menino só servia o “sim”.
Num dia cinzento partiu
com a promessa de num instante voltar.
Deixou a mãe lavada em lágrimas,
e uma data para casar.
Era um dia cinzento de Outubro
quando de novo a porta se abriu:
entrou a Pátria, em homenagem,
elogiando a valentia e a coragem.
O filho, esse, nunca mais o viu.
A guerra segue, sem fim à vista,
mas ela tão pouco quer saber.
Nesta guerra amaldiçoada,
foi ela quem mais perdeu,
é ela quem não tem já nada a perder.
Agora vive amarrada, a dor é a sua prisão.
Passa horas no sofá, o copo de licor da mão.
Ao lado, na mesa de apoio,
pousou um livro que alguém lhe deu.
Na página que deixou escancarada
pode ler-se, às linhas tais:
“nenhuma mãe, devia, jamais
chorar a morte de um filho seu.”