Monsanto faz-se anunciar a uns km’s de distância, pela posição elevada que ocupa no pódio do relevo nacional. Seu é também o pódio da “aldeia mais portuguesa de Portugal”, conquistado em 1938. Curioso que nesta aldeia tão portuguesa seja o sotaque vizinho espanhol aquele que sobressai nas ruas quase nada agitadas. “Eles gostam muito de vir cá. Principalmente nesta altura, que também é feriado em Espanha.”, desabafa o dono de um dos poucos cafés com a porta aberta naquela sexta-feira, véspera de feriado. Pouco passava das 16h daquele 7.º dia de Dezembro quando chegámos à aldeia, uma das 12 históricas de Portugal.
O sol não se acanhava, iluminando os enormes pedregulhos de granito que caracterizam a paisagem e dão fama à aldeia. Entre eles, as casas de pedra incrivelmente preservadas – e algumas já claramente renovadas – não deixavam o quadro ficar mal. Ao vaguear pelas ruas na direção do castelo, era possível testemunhar réstias de vida humana, que nos garantiam que aquela era ainda a residência diária de alguém. Três peças de roupa a secar no estendal, uma ou outra decoração de Natal pendurada na porta de entrada, e uma cozinha em movimento, denunciada pelo cheiro que escapava pela janela entreaberta.
Quando, por fim, entrámos no castelo dos Templários, já o sol se despedia. A responsabilidade poderá ser repartida pela vista magnífica que se revelava no par de miradouros com que nos cruzámos pelo caminho (Penedo do Pé Calvo e um outro que não sei se algum dia foi batizado). Sem tempo para nos perdermos nos recantos daquele pedaço de história, deixámo-nos ficar por ali, abrigados pelas muralhas para que o vento noturno não nos impedisse de contemplar um pôr-do-sol digno de fazer parar o tempo.
Regressámos ao centro da aldeia com a certeza que queríamos voltar ao seu ponto mais alto. O silêncio foi o nosso fiel companheiro nesta caminhada de regresso. Noite feita, a aldeia parecia deserta. A exceção era apenas a Taverna Lusitana, que vivia por aquela hora um clima de festa. Demasiado entusiasmo, contudo, para a tranquilidade que procurávamos para aquela noite. Seguimos, por isso, os trilhos do silêncio, e demos por nós a jantar na “Adega Típica O Cruzeiro”, um dos poucos restaurantes que se mantém como opção para os visitantes da aldeia.
Eram umas estranhas 21h quando regressámos ao alojamento local e vingámos o cansaço das últimas semanas, o corpo pesado atirado para a cama de madeira e um saco de biscoitos locais entregue à mesa de cabeceira, enquanto espera para ser estreado.
8 de dezembro. Feriado para todos menos para o Sol, que decidiu brilhar com toda a intensidade disponível naquele ainda dia de outono. Depois de um acordar bem molengado, batemos à porta do posto de turismo já a manhã ia a meio. De lá saímos com a missão de percorrer o trilho que se entrecruza pelas ruelas da aldeia, o PR5. Antes, uma demora inesperada por uma loja de artesanato local, de onde saímos com a promessa de voltar para buscar a marafona acabada de comprar, e com um toma-lá-dá-cá de experiências de viagem, de fotografia, de vídeo e de vida. Um dia o talento do Rui ainda vai dar que falar.
O PR5 levou-nos para o meio das árvores incontinentes de bolotas, para caminhos ocupados por silvas e arbustos, e para outras perspetivas sobre a aldeia que tínhamos escolhido como destino. O caminho incerto deste trilho aparentemente pouco percorrido levou-nos a escolher a calçada romana que compõe parte do GR12 para regressar ao centro da aldeia, ao som das estaladiças folhas de outono que coloriam a paisagem. Foi o melhor dos dois mundos – ou, diremos assim, dos dois trilhos.
Foi com as pernas doridas daquela longa subida final e a barriga a gritar por alimento que suspirámos ao descobrir um mercado de natal exclusivo daquele fim-de-semana. Benditos espanhóis que encheram as ruas daquele sábado solarengo e motivaram os locais a expor nas mesas o que de melhor se fazia e cozinhava por ali. Tudo isto ao som da voz e da guitarra de um (suposto) irlandês, que entoava clássicos salpicados com temas de natal.
A esplanada da Taverna Lusitana já antes tinha chamado por nós. Fortes, resistimos-lhe até ao momento ideal – aquele fim de almoço, envolvido por um sol quente, as pernas a pedir descanso e os livros na mão, ansiosos por serem a companhia das horas seguintes. Por ali ficámos, alapados na melhor mesa da esplanada, com uma vista imprópria para quem ambicionava concentrar-se na leitura. Nada, repito, nada, nos faria sair dali, que não a vontade de repetir o pôr do sol na melhor janela da aldeia – o castelo.
Seguindo as indicações que nos restavam do PR5, chegámos ao castelo a tempo de escolher o ponto mais alto para nos despedirmos daquele sábado quente e maravilhoso. Até o vento colaborou, deixando-se ficar por casa. E foi ali, nesse mesmo ponto, que assistimos ao acender das luzes e ao reaparecer dos contornos da aldeia por entre a escuridão e a quietude da noite. O silêncio, de novo. A perfeita combinação do silêncio e da natureza. Não podíamos imaginar melhor forma de nos despedir de Monsanto. Foi com essa mesma imagem e serenidade que vimos a aldeia desaparecer no retrovisor do carro, na manhã seguinte. Faltou só trazer uma daquelas pedras ao estilo Stonehenge para substituir o pisa-papéis lá de casa. Fica para o nosso reencontro, Monsanto.
uma curiosidade sobre as marafonas…
“Há duas crenças locais acerca dos poderes destas bonecas: uma primeira, que faz delas amuletos protectores contra tempestades, e uma segunda, enquanto objecto supersticioso para dar boa fortuna às mulheres no momento de engravidarem.”
Fotografias da autoria de:
Diana Lopes
Pedro Santos