Como é que algo que sabe tão bem (qualquer coisa entre chocolate com avelãs ou café acabadinho de tirar) nasceu com um nome tão complicado? Deve ser de propósito. Só pode ser de propósito.
Procrastinar podia ser uma arte. Assim só estaria ao alcance de alguns praticá-la, e nós, os restantes mortais, estaríamos a salvo dos seus encantos desde que não frequentássemos museus ou a Rua de Miguel Bombarda. Mas não, a procrastinação tinha que nascer mais acessível que as ervas daninhas. Ali, pronta a usar, a sussurrar o nosso nome no mesmo tom que o sofá lá de casa no final de um dia extenuante.
Sabem o que é mais invejável na procrastinação? É que está sempre em férias. Um dos possíveis retratos da procrastinação seria um braço flácido (porque a procrastinação não faz exercício, procrastinar é, já em si, O exercício) com dois bilhetes (pensão-mais-que-completa-totalmente-free-of-charge) na mão, para um qualquer lugar – onde o sol brilha com a intensidade certa naquele momento – e, ao fundo, uma rajada de vento que se avizinha com o único propósito de fazer voar um desses bilhetes diretamente para a nossa testa, para que não tenhamos que ser nós a dar o primeiro passo naquela relação. Mais que isso, exige-nos todo um jogo de cintura caso tenhamos a disciplinada ideia de recusar o convite.
Procrastinação não cansa, já nasceu cansada.
Procastinar não suja e, mesmo que sujasse, de certo poderia ir à maquina para lavar – procrastinar não combina com tecidos delicados que obrigam a lavar à mão.
Não custa dinheiro.
Não está dependente de condições meteorológicas. Mais grave: é igualmente apetecível quando chovem cântaros lá fora ou quando o sol não faz gazetas.
Em suma, procrastinação tem tudo para ser uma relação de longa duração. Bodas de ouro, assim, fácil.
Passei as duas últimas horas com ela. A tentar usufruir em pleno da sua companhia. Começou bem, mas o mesmo não posso dizer da forma como acabou: quão má sou eu a procrastinar quando acabo a escrever sobre isso?