10 meses. Duas Patas Cheias.

10 meses. Dois dígitos. Duas patas cheias. Pela lógica, deveria ter direito ao dobro da comida e dos biscoitos. Mas Eles ainda não chegaram a essa página do livro.
Cãotudo, não vamos confundir este número com um estado protoadulto. Não sei se estou preparado para crescer, na verdade. O meu pêlo continua suave e luzidio como no mês em que ainda estava a aprender o meu nome. Quanto mais me dou com brinquedos, mais aprecio a companhia deles. Aqueles dois continuam a falar comigo como se estivessem a falar com uma criança. Já para não falar que apanham os meus cocós. Estou certo que só não me trocam a fralda porque não sou grande fã dessa indumentária. Mas respeito todas as modas, não me interpretem mal.

E depois há aquela minha paixão pelos jogos tradicionais.

Adoro jogar à Macaca, por exemplo. Os restos dos meus ossos são a pedra perfeita, têm uma ótima aerodinâmica. Só ainda não aprendi como desenhar linhas num chão de madeira. Podia tentar com as unhas, mas isso faria com que andassem sempre limadas, e não quero pôr em causa a minha masculinidade.

O Macaquinho do Chinês (será que fugiu da loja aqui da rua?) é dos que mais jogo com Ele e com Ela. Mas temos a nossa própria linguagem: em vez daquela cantiga toda “1, 2, 3 Macaquinho de Chinês”, eles simplificam com “Buddha, fica.” Mal eles viram costas, é ver-me a conquistar terreno mais depressa que o Afonso Henriques.

Quando chega a hora de dormir, temos uma variação do jogo das Cadeiras. Quando o despertador noturno toca, o último a chegar à cama fica com o pior lugar. É um jogo de uma ronda só. É por isso que, na maior parte dos dias, o combino com o jogo das Escondidas. Sou quase sempre eu a esconder-me debaixo dos lençóis. Não é o esconderijo perfeito, cãofesso, eles não demoram muito a encontrar-me. Mas Ela deve sentir que tem potencial, porque há dias em que logo depois de me encontrar se esconde exatamente no mesmo sítio. Só faltava fazê-lo quando eu não estou claramente a olhar para ela, se não qual é a piada? Estes humanos e a mania de não lerem as regras dos jogos até ao fim.

Por fim, o jogo da Estátua. É o meu preferido. Jogamos normalmente duas vezes ao dia, de manhã cedinho e ao entardecer. É uma espécie de ritual de celebração que antecipa o nosso passeio à rua. Como é difícil combinar uma palavra de código com eles, decidi que o momento de congelar seria na altura em que me pusessem o peitoral. Para acrescentar alguma magia ao ritual, começo por me atirar para o chão mal eles pegam nele. Segue-se um momento de relaxamento máximo em que deixo o meu corpo mais pesado que um saco de batatas-doces do tamanho das que nascem no quintal de Viseu. No momento em que se ouve o clique do fechar do peitoral, o jogo atinge o auge. Congelação máxima, todo eu serviria para arrefecer cervejas antes de uma boa jantarada. Depois é só esperar que eles me arrastem porta fora. As irregularidades do chão de madeira dão uma ótima massagem na barriga. Ou às vezes nos flancos, dependendo do ângulo em que me apanham. O jogo termina quando chegamos às escadas, por razões óbvias: apesar de criança, fui brindado com uma excelente capacidade de avaliação do perigo. E algo me diz que um “peso morto” a descer duas patas-cheias de escadas seguidas não dava um jogo engraçado. Uns bons hematomas, talvez. Terá sido assim que nasceu o jogo do Galo?

A caminho da capicua,
Buddha.

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