7 meses

Um cão chega aos seis meses sem os dentes de leite e convence-se que já não há mais nada a perder. Uns dias depois, acorda da sesta mais prolongada sem testículos. A Bela Adormecida, quando acordou, estava inteira e ainda tinha um príncipe. Alguém me devia ter alertado que a Disney não era de fiar.

A vida tira, a vida dá. Perdi dois órgãos nobres, ganhei uma cicatriz que dá mais comichão que uma fábrica de pulgas a trabalhar noite e dia, e ainda um abajour que condiz com a decoração da casa, ou, pardon, avec la decoración de la maison.
Como devem imaginar, não coube em mim de cãotente. Foi uma longa semana a redefinir estratégias básicas de sobrevivência e a recalcular distâncias laterais.

Entretanto, estou a fazer progressos na arte da destruição. Recebi uma cama nova e, como agradecimento, decidi que desta vez devia roer o tapete da casa de banho – sempre dá menos prejuízo. Acontece que a porta está frequentemente fechada e perante um “abre-te sésamo” responde-me com uma humilhante indiferença. Se pelo menos a maçaneta estivesse a uma altura cãocessivel. Esta questão já não é de agora. Gerações sucessivas têm lutado pela integração dos cães em equipas multidisciplinares de construção e decoração de interiores. Contudo, os progressos nesta matéria são inversamente proporcionais à nossa ânsia de cãotribuição. Espero não ter que me tornar um revolucionário.

Com quase sete meses, senti que era altura usar os meus talentos em prol da sociedade. Assim, tenho dedicado algumas horas do meu dia a procurar o tesouro escondido debaixo da almofada do sofá. Ainda não percebi se tenho a aprovação d’Eles porque sempre que manifesto especial empenho na tarefa tentam tirar-me de lá. Serei ainda imaturo para enfrentar os desafios de uma vida profissional? É que começo a acreditar que até era capaz de me habituar a esta vida de arqueólogo. Quem sabe Ele não se cansa de aturar ratos e se junta a mim também.

Hoje, como prenda de aniversário, fui à praia pela primeira vez. Não sei porque é que o chão do mundo não pode ser todo feito de areia. Há lá coisa mais macia?
Foi um fim de tarde daqueles que nos faz querer fazer anos todos os dias. No entanto, não querendo ser indelicado, suspeito que a Câmara de Matosinhos tem a conta da luz em atraso. É que a água do mar estava especialmente fria, e o meu sistema imunitário ainda está em desenvolvimento. Desta vez passa, mas no lugar deles eu não esticava muito a corda: é que o Senhor de Matosinhos já anda por estes lados e é homem para rosnar a valer se o deixarem às escuras.

Até aos oito,
Buddha

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