A Margarida gira o dedo e enrola os caracóis.
E por falar neles, como hoje está de chuva, pode ser que se vejam alguns, relembra.
A Margarida tem um baú, e lá dentro tem um tesouro. Abriu o baú para mim, mas esqueceu-se de me mostrar o tesouro.
A Margarida é toda arte. Tem nela a confiança de quem se eleva do sofá e se atira para o tapete. Tem a paciência com que aprende a ser uma árvore de perna e braços no ar, e a resiliência para se manter erguida mesmo com os desequilíbrios da excitação. Tem dentro dela a melodia do amor incondicional, exteriorizada numa canção que acabou de inventar.
As cortinas da Margarida são compridas e tocam no chão, as minhas são triangulares e cabem dentro das janelas. Aprendeu comigo a desenhar andorinhas, eu aprendi com ela a desenhar um menino chamado Afonso.
A Margarida lê o jornal e veste casacos de cabedal.
A Margarida é tão pequenina como os anos que ainda lhe cabem numa só mão, e tão grande como o amor com que a mãe e o pai lhe enchem os dias e coração.
Pode ser que ela ainda não saiba, mas eles são o seu grande tesouro. E, bem apertadinhos, talvez caibam dentro do baú.
Conheci a Margarida hoje, mas sei que vamos ser grandes amigas. É o tipo de coisa que se sabe quando jogas o jogo do Ruca e nos sai o mesmo número no dado. Três vezes seguidas.
A Margarida deu-me tanto hoje.
Eu dei-lhe o meu tempo e uma canção de embalar que acabei de inventar.
E eu sinto: a canção pode até perder-se no tempo, mas o tempo que lhe dei nunca será um tempo perdido.
Boa noite, Margarida.